quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Oferenda

Que farei do meu reino: um terreno
no peito
onde pensei pôr minh’África,
a dos meus avós, a do meu povo de lá e que me deixam
tão sozinho?
Como sonhei falar minha mamãe África,
oferecer-lhe, em meu peito, nesta noite turva,
os meus pertences de vento, sombra e relembrança,
o meu nascimento, a minha
história e o meu tropeço
que ela não sabe, nem viu e eu sendo filho dela!
— Oh, mamãe, as minhas fraldas estão sujas de brancor
e ele cheira tanto!
Às vezes penso, em minha solidão, na noite turva,
que você me está me chamando com o tambor do vento.
Abro a janela, olho a cidade, as luzes me trepidam
e eu perco o condão de te achar
entre estes odores vários
e tanta dor de gente branca, preta, variada
gama e tessitura de almas, ânsias, medo!
Como sonhei falar, sozinho, à minha mamãe África,
e oferecer-lhe, em meu peito, nesta noite turva,
os meus presentes de vento, sombra e relembrança,
o meu nascimento, a minha história, o meu tropeço
que ela não sabe, nem viu e eu sendo filho dela!

(Oswaldo de Camargo - Antologia da poesia negra brasileira: o negro em versos, 2005)

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