Comprei um sapato lindo número trinta e nove
sendo que calço número quarenta e dois. Andei
muito a pé, adoentei-me. Pra acalmar os pés e
não repetir esse ato insano fiz uma salmoura de
água quente e ensinei crianças e adolescentes
que não se vende o próprio sonho.
(Maria Tereza - Negrices em flor. São Paulo: Edições Toró, 2007)
domingo, 26 de abril de 2015
Linhas vivescritas
Tenho papel e lápis em mãos
Um mundo de possibilidades escritas
Nas veias edificadoras do mundo.
Durmo sonhos de menina e
Acordo nas realidades de gente grande.
Viajo pelos espaços nativos de minha mente
Conheço lugares, sentires, prazeres e sabores.
Anseio sentimentos de vida
Construídos por abraços fraternos.
Descubro-me preta,
Mulher
Menina
Mãe
Útero que gera e dá vida
Cabaça que fertiliza o nascer do mundo.
Tenho papel e lápis em mãos
Um mundo de possibilidades escritas
No fluxo dos rios de mãe.
Tenho cenas vivescritas
Nas linhas que mapeiam a vida de minhas negras mãos.
Um mundo de possibilidades escritas
Nas veias edificadoras do mundo.
Durmo sonhos de menina e
Acordo nas realidades de gente grande.
Viajo pelos espaços nativos de minha mente
Conheço lugares, sentires, prazeres e sabores.
Anseio sentimentos de vida
Construídos por abraços fraternos.
Descubro-me preta,
Mulher
Menina
Mãe
Útero que gera e dá vida
Cabaça que fertiliza o nascer do mundo.
Tenho papel e lápis em mãos
Um mundo de possibilidades escritas
No fluxo dos rios de mãe.
Tenho cenas vivescritas
Nas linhas que mapeiam a vida de minhas negras mãos.
Pretume de mulher
Sou preta, sou mulher
Sou este pretume que tanto vês
Pétala de uma rosa negra
Cheiro de óleo de coco
Emanando o ar
Maciez do mel de abelha
Corpo desenhado por Olorum
Sabedoria dada por Òbà
Mãos que enfeitam de Nanã
E beleza herdada de Ewa
Pretume de mulher sou eu
Cicatrizes de um tempo que não se escondem
Resistência do cotidiano
A mãe que desce as vielas da favela
E encara as faxinas nas casas dos patrões
Deusa africana sou
Rodeada de contrastes, lágrimas e sorrisos.
Fertilizo o solo do mundo
Dou vida para a vida
Recebo em troca migalhas do que sempre restou
E ainda assim serei sempre
Mulher e pretume.
Sou este pretume que tanto vês
Pétala de uma rosa negra
Cheiro de óleo de coco
Emanando o ar
Maciez do mel de abelha
Corpo desenhado por Olorum
Sabedoria dada por Òbà
Mãos que enfeitam de Nanã
E beleza herdada de Ewa
Pretume de mulher sou eu
Cicatrizes de um tempo que não se escondem
Resistência do cotidiano
A mãe que desce as vielas da favela
E encara as faxinas nas casas dos patrões
Deusa africana sou
Rodeada de contrastes, lágrimas e sorrisos.
Fertilizo o solo do mundo
Dou vida para a vida
Recebo em troca migalhas do que sempre restou
E ainda assim serei sempre
Mulher e pretume.
sexta-feira, 17 de abril de 2015
O espelho
Floresta negra
De galhos fortes...
acinzentada e enrugada
Reflete
Majestosamente
Meio século
De vida-liberdade.
(Lidiane Ferreira)
De galhos fortes...
acinzentada e enrugada
Reflete
Majestosamente
Meio século
De vida-liberdade.
(Lidiane Ferreira)
quarta-feira, 15 de abril de 2015
Sensus
Falamos a mesma língua
Do raiar do tempo
Falamos a mesma língua
Sussurada pelo vento
A língua do céu
Neste Sol da alvorada
Da nuvem sem véu
Em labareda
Falamos o toque
A vontade
A veia
O sangue...
A Vida em ascendência
Quimera em Transcendência
A língua que nos refaz
Em dias lentos
Transforma-nos
Em eternos
Vencedores do silêncio
Falamos sem voz
Em alta voz
A língua
A língua
A secreta
Língua
Falamos falamos
O toque
A vontade
De nascer...
A língua...
A língua da pele
O poema da pedra.
Do raiar do tempo
Falamos a mesma língua
Sussurada pelo vento
A língua do céu
Neste Sol da alvorada
Da nuvem sem véu
Em labareda
Falamos o toque
A vontade
A veia
O sangue...
A Vida em ascendência
Quimera em Transcendência
A língua que nos refaz
Em dias lentos
Transforma-nos
Em eternos
Vencedores do silêncio
Falamos sem voz
Em alta voz
A língua
A língua
A secreta
Língua
Falamos falamos
O toque
A vontade
De nascer...
A língua...
A língua da pele
O poema da pedra.
(Hirondina Joshua - poeta moçambicana)
Nocturno
É zero hora.
Não consigo.
Nem a minha alma dorme na noite em mim.
Não quero fazer nada. Não fazendo faço um exercício incompreensível: próprio da noite.
É zero hora. Encontro êthos passivos nos substantivos inabaláveis duma alquimia que desconheço e volto ao começo: penso e existo e não durmo e não me sou e não estou e não me conheço e quase me perco. Sou transitável, espírito devasso.
Comboio em caudas clandestinas. Subo até ao horizonte, sento-me ao lado da razão. A noite já bêbada, todo resto que me restou. Sou eu mesma, o demónio do devaneio. A substância intáctil da matéria. Já de nada sei. Já aqui não estou...
Não consigo.
Nem a minha alma dorme na noite em mim.
Não quero fazer nada. Não fazendo faço um exercício incompreensível: próprio da noite.
É zero hora. Encontro êthos passivos nos substantivos inabaláveis duma alquimia que desconheço e volto ao começo: penso e existo e não durmo e não me sou e não estou e não me conheço e quase me perco. Sou transitável, espírito devasso.
Comboio em caudas clandestinas. Subo até ao horizonte, sento-me ao lado da razão. A noite já bêbada, todo resto que me restou. Sou eu mesma, o demónio do devaneio. A substância intáctil da matéria. Já de nada sei. Já aqui não estou...
(Hirondina Joshua - poeta moçambicana)
Moenda
Encontrei, tatuado em meus receios, a memória de vários desencontros...
Sonhar, meche a adaga afiada racista que retalha a heróica coragem que encontro...
Cicatrizes são chagas abertas sob o disfarce do tempo,
é carne viva ardendo sob o sorriso sedento
esperando uma fagulha para acender covas que sepultam alegrias precoces...
A dor abriu as narinas da alma para reconhecer as fragrâncias da vida...
O vinho de lágrimas aprimorou o paladar na degustação do primordial,
agora quero o essencial: o anil do céu tingindo o dia cinza,
um sorriso de arco-íris estalando no céu da boca d’alma...
A tempestade pode ter doído, mas quem tem asas não teme o precipício...
O tronco não foi suficiente...
(Cláudio Andrade)
Sonhar, meche a adaga afiada racista que retalha a heróica coragem que encontro...
Cicatrizes são chagas abertas sob o disfarce do tempo,
é carne viva ardendo sob o sorriso sedento
esperando uma fagulha para acender covas que sepultam alegrias precoces...
A dor abriu as narinas da alma para reconhecer as fragrâncias da vida...
O vinho de lágrimas aprimorou o paladar na degustação do primordial,
agora quero o essencial: o anil do céu tingindo o dia cinza,
um sorriso de arco-íris estalando no céu da boca d’alma...
A tempestade pode ter doído, mas quem tem asas não teme o precipício...
O tronco não foi suficiente...
(Cláudio Andrade)
Ovo do capeta
Eu, que tantos sou
de vez em quando, perco a vez,
dou lugar àquela senhora, na mesa ao lado,
que me olha e se pergunta, o que eu estou fazendo ali...
Então viro o segurança do shopping me perseguindo por trás das pilastras,
o recepcionista que me barra na entrada da festa ... eu, a lista que se exclui...
Ressuscito o amor sepultado pela menina que tinha nojo da minha cor, sinto-me nojo.
Logo viro o policial que me agarra pelo colarinho e me manda procurar a minha turma,
carcereiro guardando navios negreiros, lustrando o tronco...
Justiça me fazendo referência da marginalidade...
História me excluindo do banquete do tempo...
Dou voz ao burguês com o discurso classista me excluindo a mim mesmo...
Nesse momento é hora de fazer abolição na alma, pois é na mente e no coração que se dá a colonização..
(Cláudio Andrade)
de vez em quando, perco a vez,
dou lugar àquela senhora, na mesa ao lado,
que me olha e se pergunta, o que eu estou fazendo ali...
Então viro o segurança do shopping me perseguindo por trás das pilastras,
o recepcionista que me barra na entrada da festa ... eu, a lista que se exclui...
Ressuscito o amor sepultado pela menina que tinha nojo da minha cor, sinto-me nojo.
Logo viro o policial que me agarra pelo colarinho e me manda procurar a minha turma,
carcereiro guardando navios negreiros, lustrando o tronco...
Justiça me fazendo referência da marginalidade...
História me excluindo do banquete do tempo...
Dou voz ao burguês com o discurso classista me excluindo a mim mesmo...
Nesse momento é hora de fazer abolição na alma, pois é na mente e no coração que se dá a colonização..
(Cláudio Andrade)
Sarau Enegrescência - 18/04/2015
Vamos celebrar as Literaturas Negra e Africanas!
Convidamos todxs para o Sarau Enegrescência!
Estética é também uma das formas de representação artística e cultural, principalmente quando se trata das estéticas afro. Por esse motivo, nesta edição, temos um bate-papo sobre Estética Afro com Iachas Camime Machado (Alternativa Roots)
Traga a sua poesia e a sua arte!
Data: 18 de abril de 2015
Local: Casa de Angola Na Bahia (em frente ao Corpo de Bombeiros da Barroquinha)
Horário: 15h
PARTICIPE DO EVENTO NO FACEBOOK: https://www.facebook.com/events/820639127973073/
terça-feira, 14 de abril de 2015
Blackness
Blackness, blackness
Duas vezes ao dia
A humanidade do negro como filosofia
Blackness, blackness
Duas vezes ao dia
Sobrevivi ao terrorismo do desânimo
Olhando para trás sem medo
Mergulhando em minhas raízes
Afrocentrando o meu corpo
Aprendendo com meus ancestrais
Blackness, Blackness
Duas vezes ao dia
A humanidade do negro como filosofia
Blackness, blackness
Duas vezes ao dia
O boi da cara preta revelou sua identidade
Apareceu consciente de sua alteridade
Conversamos sobre as urgências da negritude
Decidi levar uma existência menos hermética
Focando na minha africanidade sincrética
Blackness, blackness
Duas vezes ao dia
A humanidade do negro como filosofia
Blackness, blackness
Duas vezes ao dia
Coloque isso na sua mente
Não há como tornar-se negro impunemente
É preciso resgatar cada irmão
Mais solidariedade no nosso quilombo chão
Blackness, blackness
Duas vezes ao dia
A humanidade do negro como filosofia
Blackness, blackness
Duas vezes ao dia.
Duas vezes ao dia
A humanidade do negro como filosofia
Blackness, blackness
Duas vezes ao dia
Sobrevivi ao terrorismo do desânimo
Olhando para trás sem medo
Mergulhando em minhas raízes
Afrocentrando o meu corpo
Aprendendo com meus ancestrais
Blackness, Blackness
Duas vezes ao dia
A humanidade do negro como filosofia
Blackness, blackness
Duas vezes ao dia
O boi da cara preta revelou sua identidade
Apareceu consciente de sua alteridade
Conversamos sobre as urgências da negritude
Decidi levar uma existência menos hermética
Focando na minha africanidade sincrética
Blackness, blackness
Duas vezes ao dia
A humanidade do negro como filosofia
Blackness, blackness
Duas vezes ao dia
Coloque isso na sua mente
Não há como tornar-se negro impunemente
É preciso resgatar cada irmão
Mais solidariedade no nosso quilombo chão
Blackness, blackness
Duas vezes ao dia
A humanidade do negro como filosofia
Blackness, blackness
Duas vezes ao dia.
(Cristiane Sobral - Só por hoje vou deixar o meu cabelo em paz. Ed. Teixeira. 1ª ed. Brasília. 2014)
Queimando a princesa
*Inspirado na poeta Cristiane Sobral
A poeta manda avisar
que não lava mais os pratos
Tá estampado na capa
a batom
Mandou fazer as unhas
caprichou na cor do esmalte
Eu
poeta de carne e osso
vesti luvas de borracha
entrei de sola na porta da cozinha
Sexagenária
Ventre livre
Lei áurea
Carta de alforria
Ave Maria da Penha
Estranha delicadeza
O verso apagou a escrava
só falta queimar a princesa!
(Nelson Maca)
A poeta manda avisar
que não lava mais os pratos
Tá estampado na capa
a batom
Mandou fazer as unhas
caprichou na cor do esmalte
Eu
poeta de carne e osso
vesti luvas de borracha
entrei de sola na porta da cozinha
Sexagenária
Ventre livre
Lei áurea
Carta de alforria
Ave Maria da Penha
Estranha delicadeza
O verso apagou a escrava
só falta queimar a princesa!
(Nelson Maca)
Não vou mais lavar os pratos
Nem vou limpar a poeira dos móveis
Sinto muito. Comecei a ler
Abri outro dia um livro e uma semana depois decidi
Não levo mais o lixo para a lixeira
Nem arrumo a bagunça das folhas que caem no quintal
Sinto muito. Depois de ler percebi a estética dos pratos
a estética dos traços, a ética
A estática
Olho minhas mãos quando mudam a página dos livros
mãos bem mais macias que antes
e sinto que posso começar a ser a todo instante
Sinto
Qualquer coisa
Não vou mais lavar
Nem levar.
Seus tapetes para lavar a seco
Tenho os olhos rasos d’água
Sinto muito
Agora que comecei a ler, quero entender
O porquê, por quê? E o porquê
Existem coisas
Eu li, e li, e li
Eu até sorri
E deixei o feijão queimar…
Olha que o feijão sempre demora a ficar pronto
Considere que os tempos agora são outros…
Ah,
Esqueci de dizer. Não vou mais
Resolvi ficar um tempo comigo
Resolvi ler sobre o que se passa conosco
Você nem me espere. Você nem me chame. Não vou
De tudo o que jamais li, de tudo o que jamais entendi
você foi o que passou
Passou do limite, passou da medida, passou do alfabeto
Desalfabetizou
Não vou mais lavar as coisas e encobrir a verdadeira sujeira
Nem limpar a poeira e espalhar o pó daqui para lá e de lá para cá
Desinfetarei as minhas mãos e não tocarei suas partes móveis
Não tocarei no álcool
Depois de tantos anos alfabetizada, aprendi a ler
Depois de tanto tempo juntos, aprendi a separar
Meu tênis do seu sapato
Minha gaveta das suas gravatas
Meu perfume do seu cheiro
Minha tela da sua moldura
Sendo assim, não lavo mais nada
e olho a sujeira no fundo do copo
Sempre chega o momento
De sacudir, de investir, de traduzir
Não lavo mais pratos
Li a assinatura da minha lei áurea escrita em negro maiúsculo
Em letras tamanho 18, espaço duplo
Aboli
Não lavo mais os pratos
Quero travessas de prata, cozinhas de luxo
E jóias de ouro
Legítimas
Está decretada a lei áurea.
Sinto muito. Comecei a ler
Abri outro dia um livro e uma semana depois decidi
Não levo mais o lixo para a lixeira
Nem arrumo a bagunça das folhas que caem no quintal
Sinto muito. Depois de ler percebi a estética dos pratos
a estética dos traços, a ética
A estática
Olho minhas mãos quando mudam a página dos livros
mãos bem mais macias que antes
e sinto que posso começar a ser a todo instante
Sinto
Qualquer coisa
Não vou mais lavar
Nem levar.
Seus tapetes para lavar a seco
Tenho os olhos rasos d’água
Sinto muito
Agora que comecei a ler, quero entender
O porquê, por quê? E o porquê
Existem coisas
Eu li, e li, e li
Eu até sorri
E deixei o feijão queimar…
Olha que o feijão sempre demora a ficar pronto
Considere que os tempos agora são outros…
Ah,
Esqueci de dizer. Não vou mais
Resolvi ficar um tempo comigo
Resolvi ler sobre o que se passa conosco
Você nem me espere. Você nem me chame. Não vou
De tudo o que jamais li, de tudo o que jamais entendi
você foi o que passou
Passou do limite, passou da medida, passou do alfabeto
Desalfabetizou
Não vou mais lavar as coisas e encobrir a verdadeira sujeira
Nem limpar a poeira e espalhar o pó daqui para lá e de lá para cá
Desinfetarei as minhas mãos e não tocarei suas partes móveis
Não tocarei no álcool
Depois de tantos anos alfabetizada, aprendi a ler
Depois de tanto tempo juntos, aprendi a separar
Meu tênis do seu sapato
Minha gaveta das suas gravatas
Meu perfume do seu cheiro
Minha tela da sua moldura
Sendo assim, não lavo mais nada
e olho a sujeira no fundo do copo
Sempre chega o momento
De sacudir, de investir, de traduzir
Não lavo mais pratos
Li a assinatura da minha lei áurea escrita em negro maiúsculo
Em letras tamanho 18, espaço duplo
Aboli
Não lavo mais os pratos
Quero travessas de prata, cozinhas de luxo
E jóias de ouro
Legítimas
Está decretada a lei áurea.
(Cristiane Sobral - Não vou mais lavar os pratos. Dulcina Editora. 2ª Edição. 2011. Brasília)
Página Preta
uma página preta
não dá conta da nossa demanda
mas já é um outro negro começo
uma página preta
não é tudo o que queremos
mas já anima o corpo cansado da luta
uma página preta
em tempos de tanta besteira
um ensaio sobre José Carlos Limeira
preta página subvertendo a lógica da procura
salpicando tinta fértil nesse universo de brancura
o mundo em preta cor
uma página preta
invadindo a retina do planeta
mostrando que o preto combina
com tudo.
(Cristiane Sobral - Cadernos Negros 37. Poemas Afro-Brasileiros. São Paulo. 2014. Antologia. Ed. Quilombhoje.
não dá conta da nossa demanda
mas já é um outro negro começo
uma página preta
não é tudo o que queremos
mas já anima o corpo cansado da luta
uma página preta
em tempos de tanta besteira
um ensaio sobre José Carlos Limeira
preta página subvertendo a lógica da procura
salpicando tinta fértil nesse universo de brancura
o mundo em preta cor
uma página preta
invadindo a retina do planeta
mostrando que o preto combina
com tudo.
(Cristiane Sobral - Cadernos Negros 37. Poemas Afro-Brasileiros. São Paulo. 2014. Antologia. Ed. Quilombhoje.
Pixaim elétrico
Naquele dia
Meu pixaim elétrico gritava alto
Provocava sem alisar ninguém
Meu cabelo estava cheio de si
Naquele dia
Preparei a carapinha para enfrentar
A monotonia da paisagem da estrada
Soltei os grampos e segui
De cara para o vento
Bem desaforada
Sem esconder volumes nem negar raízes
Pura filosofia
Meu cabelo escuro, crespo, alto e grave
Quase um caso de polícia em meio à pasmaceira da cidade
Incomodou identidades e pariu novas cabeças
Abaixo a demagogia
Soltei as amarras e recusei qualquer relaxante
Assumi as minhas raízes
ainda que brincasse com alguns matizes
Confrontando o meu pixaim elétrico
com as cores pálidas do dia
Pixaim, elétrico!
(Cristiane Sobral - Não vou mais lavar os pratos. Dulcina Editora. 2ª Edição. 2011. Brasília)
Meu pixaim elétrico gritava alto
Provocava sem alisar ninguém
Meu cabelo estava cheio de si
Naquele dia
Preparei a carapinha para enfrentar
A monotonia da paisagem da estrada
Soltei os grampos e segui
De cara para o vento
Bem desaforada
Sem esconder volumes nem negar raízes
Pura filosofia
Meu cabelo escuro, crespo, alto e grave
Quase um caso de polícia em meio à pasmaceira da cidade
Incomodou identidades e pariu novas cabeças
Abaixo a demagogia
Soltei as amarras e recusei qualquer relaxante
Assumi as minhas raízes
ainda que brincasse com alguns matizes
Confrontando o meu pixaim elétrico
com as cores pálidas do dia
Pixaim, elétrico!
(Cristiane Sobral - Não vou mais lavar os pratos. Dulcina Editora. 2ª Edição. 2011. Brasília)
domingo, 12 de abril de 2015
cavalo de ogum
o preto velho rodopiou
três vezes no terreiro
pitou cachimbo
bebeu marafa
dançou caxambu
no jogo do ifá
adivinhou o mistério da vida
(Cláudio Bento - Carnaval candombe)
três vezes no terreiro
pitou cachimbo
bebeu marafa
dançou caxambu
no jogo do ifá
adivinhou o mistério da vida
(Cláudio Bento - Carnaval candombe)
quarta-feira, 8 de abril de 2015
Recado pra moça de cabelo black power e mini saia em um dia chuvoso
Seu cabelo, moça
não é bandido
não prenda
nem amarre
seu cabelo, moça
não é ruim
assim como o tempo
está apenas chuvoso
seu cabelo, moça
não é duro
como diamante
mas acho jóia
seu cabelo, moça
não é assanhado
e você de saia curta
também não é assanhada
é isso, moça
saia pra chuva
curta a vida
de saia curta
e cabelo solto
não é bandido
não prenda
nem amarre
seu cabelo, moça
não é ruim
assim como o tempo
está apenas chuvoso
seu cabelo, moça
não é duro
como diamante
mas acho jóia
seu cabelo, moça
não é assanhado
e você de saia curta
também não é assanhada
é isso, moça
saia pra chuva
curta a vida
de saia curta
e cabelo solto
História de um cabelo
A censura
ruim
A traquinagem
soltá-lo
O castigo
pega, estica e puxa
depois prende
bem apertado
lágrimas soltas
Não brinque, menina!
O juízo
duro
A sentença
forjá-lo a ferro e fogo
até ficar bem lisinho
a chuva tornou-se inimiga
estação, só verão
mas o calor trazia suor
e vergonha
Não dance, moça!
O motivo
armado
Deflagrada
a guerra química
veio o ardor, a dor
a angústia, o choro
muitos fios
e ilusões perdidas
não queira muito, mulher
O conceito
Rebelde
A solução...
Meu cabelo não tem problema!
O tratamento...
Meu cabelo não está doente!
Chegou o questionamento
e com ele a rebeldia
Chega!
Depois a atitude
cabelo crespo e livre
finalmente
a escolha é minha!
(Rosana Paulo)
ruim
A traquinagem
soltá-lo
O castigo
pega, estica e puxa
depois prende
bem apertado
lágrimas soltas
Não brinque, menina!
O juízo
duro
A sentença
forjá-lo a ferro e fogo
até ficar bem lisinho
a chuva tornou-se inimiga
estação, só verão
mas o calor trazia suor
e vergonha
Não dance, moça!
O motivo
armado
Deflagrada
a guerra química
veio o ardor, a dor
a angústia, o choro
muitos fios
e ilusões perdidas
não queira muito, mulher
O conceito
Rebelde
A solução...
Meu cabelo não tem problema!
O tratamento...
Meu cabelo não está doente!
Chegou o questionamento
e com ele a rebeldia
Chega!
Depois a atitude
cabelo crespo e livre
finalmente
a escolha é minha!
(Rosana Paulo)
Ancestral
Perseguimos as gaivotas da alegria, espantadas pela artilharia da alvura
autores de uma história tenebrosa, arianismo, crucificando minha cor escura
codificando na melanina de minha pele, a semântica, semiologia do mal
Minha cor, meu povo, minha raça, na versão de sua doutrina, virou algo bestial.
Catalogaram nossas expressões, subestimaram nossa arte, estigmatizaram nossa beleza
mas não foram capazes de sepultar a nossa alma, de deter o nosso canto, nem de roubar minha realeza...
(Cláudio Andrade)
autores de uma história tenebrosa, arianismo, crucificando minha cor escura
codificando na melanina de minha pele, a semântica, semiologia do mal
Minha cor, meu povo, minha raça, na versão de sua doutrina, virou algo bestial.
Catalogaram nossas expressões, subestimaram nossa arte, estigmatizaram nossa beleza
mas não foram capazes de sepultar a nossa alma, de deter o nosso canto, nem de roubar minha realeza...
(Cláudio Andrade)
Libertar a poesia
Dou voz a uma dor calada,
essa história de boca costurada a arame farpado
solfejando jingas tristes em meio ao festim da ironia.
Estrangulo a felicidade que rebola e escorrega das fartas nádegas.
Nas vielas, visto farrapos, no exílio de meu sorriso banguela
onde deixo a alegria de cócoras em busca da miséria que a defenda.
Até o poema tortura, versos são navios negreiros sepultando o que foge à dominação.
Vomito a cicuta engasgada no esquecimento aniquilador de dores sangradas no horizonte do delírio.
Cravei liberdade no cravo que perfuma o quilombo de meus olhos que serenam sangue.
Usaram ferro, em brasas, para marcar meu lombo, mas minha chama queimou a brasa!
O ferro que alisa a honra não passará sobre os caracóis de meus cabelos crespos.
A métrica brocha não masturba minha vaidade de beiço carnudo, tudo aqui é mais quente, e minha beleza, ela dança no ritmo da cópula...
(Cláudio Andrade)
essa história de boca costurada a arame farpado
solfejando jingas tristes em meio ao festim da ironia.
Estrangulo a felicidade que rebola e escorrega das fartas nádegas.
Nas vielas, visto farrapos, no exílio de meu sorriso banguela
onde deixo a alegria de cócoras em busca da miséria que a defenda.
Até o poema tortura, versos são navios negreiros sepultando o que foge à dominação.
Vomito a cicuta engasgada no esquecimento aniquilador de dores sangradas no horizonte do delírio.
Cravei liberdade no cravo que perfuma o quilombo de meus olhos que serenam sangue.
Usaram ferro, em brasas, para marcar meu lombo, mas minha chama queimou a brasa!
O ferro que alisa a honra não passará sobre os caracóis de meus cabelos crespos.
A métrica brocha não masturba minha vaidade de beiço carnudo, tudo aqui é mais quente, e minha beleza, ela dança no ritmo da cópula...
(Cláudio Andrade)
terça-feira, 7 de abril de 2015
Quem sou eu?
Quem sou eu? que importa quem?
Sou um trovador proscrito,
Que trago na fronte escrito
Esta palavra — Ninguém! —
(A. E. Zalvar — Dores e Flores)
Amo o pobre, deixo o rico,
Vivo como o Tico-tico;
Não me envolvo em torvelinho,
Vivo só no meu cantinho:
Da grandeza sempre longe,
Como vive o pobre monge.
Tenho mui poucos amigos,
Porém bons, que são antigos,
Fujo sempre à hipocrisia,
À sandice, à fidalguia;
Das manadas de Barões?
Anjo Bento, antes trovões.
Faço versos, não sou vate,
Digo muito disparate,
Mas só rendo obediência
À virtude, à inteligência:
Eis aqui o Getulino
Que no pletro anda mofino.
Sei que é louco e que é pateta
Quem se mete a ser poeta;
Que no século das luzes,
Os birbantes mais lapuzes,
Compram negros e comendas,
Têm brasões, não — das Kalendas,
E, com tretas e com furtos
Vão subindo a passos curtos;
Fazem grossa pepineira,
Só pela arte do Vieira,
E com jeito e proteções,
Galgam altas posições!
Sou um trovador proscrito,
Que trago na fronte escrito
Esta palavra — Ninguém! —
(A. E. Zalvar — Dores e Flores)
Amo o pobre, deixo o rico,
Vivo como o Tico-tico;
Não me envolvo em torvelinho,
Vivo só no meu cantinho:
Da grandeza sempre longe,
Como vive o pobre monge.
Tenho mui poucos amigos,
Porém bons, que são antigos,
Fujo sempre à hipocrisia,
À sandice, à fidalguia;
Das manadas de Barões?
Anjo Bento, antes trovões.
Faço versos, não sou vate,
Digo muito disparate,
Mas só rendo obediência
À virtude, à inteligência:
Eis aqui o Getulino
Que no pletro anda mofino.
Sei que é louco e que é pateta
Quem se mete a ser poeta;
Que no século das luzes,
Os birbantes mais lapuzes,
Compram negros e comendas,
Têm brasões, não — das Kalendas,
E, com tretas e com furtos
Vão subindo a passos curtos;
Fazem grossa pepineira,
Só pela arte do Vieira,
E com jeito e proteções,
Galgam altas posições!
domingo, 5 de abril de 2015
REGISTROS DO SARAU ENEGRESCÊNCIA - EDIÇÃO MARÇO
Registros da edição de março do Sarau Enegrescência, na Casa de Angola Na Bahia, em 28/03/2015. Além dos recitais poéticos, tivemos a presença da Sandra Muñoz, Coordenadora da Casa Cristal Lilás da Bahia, que promove a prevenção e o enfrentamento à violência contra a população LGBTT. Agradecemos aos presentes e já convidamos todxs para a próxima edição no dia 18/04.
sexta-feira, 3 de abril de 2015
Malditas sejam todas as cercas
Há quem não veja,
há quem não queira.
Mas há de se saber que
os séculos e o sangue,
em seu gotejar,
queimarão todas as cercas.
Há de se saber que
as estacas e os arames,
os espinhos e os limites,
serão queimados
para mover a locomotiva do novo mundo.
Os muros e todo o concreto
não mais se sustentarão.
As ruínas dos castelos
provarão que tudo será o povo
E o povo será tudo.
Maldito seja este velho mundo,
incoerente, moribundo e caduco.
(Caio Prata)
há quem não queira.
Mas há de se saber que
os séculos e o sangue,
em seu gotejar,
queimarão todas as cercas.
Há de se saber que
as estacas e os arames,
os espinhos e os limites,
serão queimados
para mover a locomotiva do novo mundo.
Os muros e todo o concreto
não mais se sustentarão.
As ruínas dos castelos
provarão que tudo será o povo
E o povo será tudo.
Maldito seja este velho mundo,
incoerente, moribundo e caduco.
(Caio Prata)
Luta negra
Cabelo crespo,
cabeça cheia.
Pele preta,
orgulho forte.
Emaranhados de resistência
em pequenos cachos de proteção.
Atabaques,
Erês astutos.
Agogôs,
Odoyá às águas.
Pés descalços varrendo os ares
Em lutas de arte e dor.
Lábios grossos,
fala firme.
Antigas crenças e patuás.
Para cada pé há uma pedra,
mas não é à toa que comecei a andar.
Calunga
instrumento-me
Omulú
escarpado
além
das úlceras
descascando
os
corpos fechados
habito
o
refúgio doloroso
dos
inerciados
nos
pomposos carneiros
no
escaldante purgatório
prevalecido
em
angústias
desosso
as cactáceas
vibrações
fulgurando
adágios
na
encruzilhada
dos
desamparos
conduzo
os
rejeitados
ao
Senhor das Moscas
Akangatu
desbravo o enigma
dos 13 ciclos lunares
que se escondem
dos 13 ciclos lunares
que se escondem
no caracol vertebral
- a gestação lacrimeja
no totem da origem -
rompo auroras
com o puro rito
da saudação em brados
evocando os ancestrais
no totem da origem -
rompo auroras
com o puro rito
da saudação em brados
evocando os ancestrais
quarta-feira, 1 de abril de 2015
O teu estilo afro
O teu estilo afro-moçambicano
Conquistou à ambição da minha contemplação
Ele conseguiu encantar o meu lado mais céptico
Com a sua genuinidade e envolvência remeteu-me às origens
Tu és o que de mais belo a natureza pariu
És a essência da água, a melodia dos pássaros
És o gargalhar das montanhas em tempos chuvosos
És o desabafar do vulcão em soluços eruptivos
Sim, tu, menina de sorriso tímido atrevido
Sim, tu, dona de um gingar envolvente
Sim, tu encantas meu mundo com teu sorrir rítmico
Oh viúva branca de pele negra da raça de cor de arco-íris
Oh singela extravagancia machanganamente fashion
Revelaste-te o ar ao gosto do sopro do vento no assobio de um coração alegre
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