Pele radar que indexa
um looping
ao atabaque
um anjo
à sua queda
Iracema
à sua novela
alvo que incinera um atirador
no teto
(…)
Para uso irrestrito a pele em desafio
a todo gesto
coleção de selos que o vento
dispersa da janela
(…)
A pele procura os naipes para
entrar no jogo
mais se arroja quando desnuda
o homem
através do verbo
(…)
Pele não é o cárcere nem
o texto
o papel
a retícula
para roteiro em zoom
quiçá um mapa que muda enquanto viaja
e se fixa quando
escorregadia
nos tece
(…)
Estou de volta a casa não para visitar
os carneiros da minha gente
uma vez mortos
expostos.
O que espero deles não é carne
mas raiz e errância.
A experiência acumulada sendo
o último da classe
o único entre os outros
o suspeito número um
a prova no fundo do poço
apodreceu para adubar minha vontade.
(…)
Como cerzir um país com linhas várias
onde uma se quebra
outra a emenda
e por não se amarem se enovelam
orquídeas na mesma escarpa.
A voz arranha a pintura do carro,
reabre no dia uma herança de embargos.
O que está dito é ditado?
Não temos guerra, nem terremoto
nem ebola, ruína ou atentado
não temos cisma nem avalanche
o que vemos se não é alegria
são seus disfarces
E os ouvidos, que letrados noutra música,
se escalavram?
Tenho uma laranja nas mãos a faca
para salvar os gomos desvia
das partes cariadas.
A palavra descasca o país: num ermo botequim,
entre bacon e varejeiras, a pele de um conta
o que ele por sua boca não tramaria.
Miríades fábulas que importa?
Sua sombra que a fraca luz projeta recusa
a rede da casa-grande
o título a prazo do barão em débito
a cadeira del-rey
a merda da casa-grande
a dissertação elogiosa da selva
o piano
a culpa de não amar o deus imposto
(…)
Discutimos sobre fresas grandes y pequeñas
et on dita u même temps que ce sont originales
lês traces de notre nouvel artiste:
— est-il um naïf?
O abismo do país se ilumina,
acelera minha ferida.
o que em mim celebra
cospe esculpe alucina.
A vergonha de quem não inventou a pólvora
virou bandeira de quem calçou o continente.
A voz não procura esse rastro
procura o sentido além daquel esperdiçado
porque não as inventamos
teimamos em aferir
a roda
a pólvora
a palavra
Contra a blitz na memória
a Memória.
Contra o desprezo ao que dançamos
a Dança.
Contra o repúdio ao que falamos
a Fala.
Nos fundos do país a festa não termina
será uma para disfarçar outra guerrilha?
Quem a percorre
desde a sala
pensa nos esqueletos
que trepidam sobre outros emudecidos.
São nove horas da noite em 1844
os presos assustam a Câmara
e os coletes da cidade de Salvador.
No subsolo da lei a insubmissão
deborda em sambas de crioulos
ou africanos?
Serão idênticos ou mais diversos
quando se ajuntam?
(…)
É possível amar onde o desembarque de escravos
se multiplicou como as moscas
sobre as bananas?
Qué pretendes quando olvidas esta memoria
la continuación del massacre?
cette odeur de cheveux au feu?
a fome como sintaxe?
A voz escassa raspa as unhas no caos.
Aquele de quem a bala não se enamorou,
vai seguro e não se espanta.
Passeia a orla, tênis e bicicleta
artefatos que sedam os calos.
Vai como se, por dentro, a luta
entre capitão do mato e escravo
tivesse cessado. Vai ao ar livre
contra a vigilância da morte.
O tênis brando, roupa de marca
documentos de exorcismo diário.
Vai discreto e não balança,
pedra alguma lhe tira o passo.
Até que, desde dentro, a luta
explode em seu encalço. Ia de
tênis bicicleta, por que o abraçou
a bala do itinerário desviada?
(…)
Ó como somos plásticos
para olhar de esguelha
e entender os mitos.
Mais uma série de ensaios
explica — o país era outro mas, iludidos,
deitamos gatos para acordar lebres.
Ante as versões
de spix, martius & company
atenção, repare, escute
a pulga atrás da orelha.
Como soou o país tocado pelas mil duzentas
e setenta e três línguas indígenas
antes que minasse
a nuvem, o vento, a tempestade?
Como o recitam as cento e oitenta
exiladas do dicionário?
E as africanas que negociaram
em senzalas e praças?
E o português se arvorando
em camaleão nos trópicos?
(…)
No país onde quem cala consente,
grassa outra tecelagem
não gira humores
não lubrifica sirenes
hora extra não faz
Tece sem novelo a rede para as aves de rapina
não se dá um medo
se ama de filhos.
Como um bordado, retém o pano de quem
pensa dominar o desenho.
Tenho doze fôlegos e uma educação
para constranger os desavisados.
O que assisti ao entrar pelos fundos
da cidade não me calcinou as retinas
ao contrário
encheu de impertinência os meus escritos.
Os que fendem a pedra
me ensinaram o avesso
os papéis roídos
a trituração por método
o pai me instruiu que é por dentro
a ebulição da lava.
O país tem fendas grutas corredores
uma vocação para morder
que estremeceu Hans Staden
mordemos a cauda e a cabeça
deglutimos sem mastigar
engolimos o sapo
salivamos marimbondo
Sabemos que deus alarga a goela
quando tira os dentes.
Não cuspimos no fogo para não
minguar a crista.
Morremos pela boca, exceto Exu,
guia de Tirésias
que desacata Gregório de Matos
Macunaíma e François Villon.
Exu calibã
luva insuspeita de Shakespeare
caçador que tem em si a caça
e se irrita
preso a uma dezena de nomes.
(…)
A notícia desse espanto estilhaça ao meu lado
por que me enviaram
um postal de Luanda?
por que há tempos o litoral do país
aprende outros continentes?
(…)
(Edimilson de Almeida Pereira)
um looping
ao atabaque
um anjo
à sua queda
Iracema
à sua novela
alvo que incinera um atirador
no teto
(…)
Para uso irrestrito a pele em desafio
a todo gesto
coleção de selos que o vento
dispersa da janela
(…)
A pele procura os naipes para
entrar no jogo
mais se arroja quando desnuda
o homem
através do verbo
(…)
Pele não é o cárcere nem
o texto
o papel
a retícula
para roteiro em zoom
quiçá um mapa que muda enquanto viaja
e se fixa quando
escorregadia
nos tece
(…)
Estou de volta a casa não para visitar
os carneiros da minha gente
uma vez mortos
expostos.
O que espero deles não é carne
mas raiz e errância.
A experiência acumulada sendo
o último da classe
o único entre os outros
o suspeito número um
a prova no fundo do poço
apodreceu para adubar minha vontade.
(…)
Como cerzir um país com linhas várias
onde uma se quebra
outra a emenda
e por não se amarem se enovelam
orquídeas na mesma escarpa.
A voz arranha a pintura do carro,
reabre no dia uma herança de embargos.
O que está dito é ditado?
Não temos guerra, nem terremoto
nem ebola, ruína ou atentado
não temos cisma nem avalanche
o que vemos se não é alegria
são seus disfarces
E os ouvidos, que letrados noutra música,
se escalavram?
Tenho uma laranja nas mãos a faca
para salvar os gomos desvia
das partes cariadas.
A palavra descasca o país: num ermo botequim,
entre bacon e varejeiras, a pele de um conta
o que ele por sua boca não tramaria.
Miríades fábulas que importa?
Sua sombra que a fraca luz projeta recusa
a rede da casa-grande
o título a prazo do barão em débito
a cadeira del-rey
a merda da casa-grande
a dissertação elogiosa da selva
o piano
a culpa de não amar o deus imposto
(…)
Discutimos sobre fresas grandes y pequeñas
et on dita u même temps que ce sont originales
lês traces de notre nouvel artiste:
— est-il um naïf?
O abismo do país se ilumina,
acelera minha ferida.
o que em mim celebra
cospe esculpe alucina.
A vergonha de quem não inventou a pólvora
virou bandeira de quem calçou o continente.
A voz não procura esse rastro
procura o sentido além daquel esperdiçado
porque não as inventamos
teimamos em aferir
a roda
a pólvora
a palavra
Contra a blitz na memória
a Memória.
Contra o desprezo ao que dançamos
a Dança.
Contra o repúdio ao que falamos
a Fala.
Nos fundos do país a festa não termina
será uma para disfarçar outra guerrilha?
Quem a percorre
desde a sala
pensa nos esqueletos
que trepidam sobre outros emudecidos.
São nove horas da noite em 1844
os presos assustam a Câmara
e os coletes da cidade de Salvador.
No subsolo da lei a insubmissão
deborda em sambas de crioulos
ou africanos?
Serão idênticos ou mais diversos
quando se ajuntam?
(…)
É possível amar onde o desembarque de escravos
se multiplicou como as moscas
sobre as bananas?
Qué pretendes quando olvidas esta memoria
la continuación del massacre?
cette odeur de cheveux au feu?
a fome como sintaxe?
A voz escassa raspa as unhas no caos.
Aquele de quem a bala não se enamorou,
vai seguro e não se espanta.
Passeia a orla, tênis e bicicleta
artefatos que sedam os calos.
Vai como se, por dentro, a luta
entre capitão do mato e escravo
tivesse cessado. Vai ao ar livre
contra a vigilância da morte.
O tênis brando, roupa de marca
documentos de exorcismo diário.
Vai discreto e não balança,
pedra alguma lhe tira o passo.
Até que, desde dentro, a luta
explode em seu encalço. Ia de
tênis bicicleta, por que o abraçou
a bala do itinerário desviada?
(…)
Ó como somos plásticos
para olhar de esguelha
e entender os mitos.
Mais uma série de ensaios
explica — o país era outro mas, iludidos,
deitamos gatos para acordar lebres.
Ante as versões
de spix, martius & company
atenção, repare, escute
a pulga atrás da orelha.
Como soou o país tocado pelas mil duzentas
e setenta e três línguas indígenas
antes que minasse
a nuvem, o vento, a tempestade?
Como o recitam as cento e oitenta
exiladas do dicionário?
E as africanas que negociaram
em senzalas e praças?
E o português se arvorando
em camaleão nos trópicos?
(…)
No país onde quem cala consente,
grassa outra tecelagem
não gira humores
não lubrifica sirenes
hora extra não faz
Tece sem novelo a rede para as aves de rapina
não se dá um medo
se ama de filhos.
Como um bordado, retém o pano de quem
pensa dominar o desenho.
Tenho doze fôlegos e uma educação
para constranger os desavisados.
O que assisti ao entrar pelos fundos
da cidade não me calcinou as retinas
ao contrário
encheu de impertinência os meus escritos.
Os que fendem a pedra
me ensinaram o avesso
os papéis roídos
a trituração por método
o pai me instruiu que é por dentro
a ebulição da lava.
O país tem fendas grutas corredores
uma vocação para morder
que estremeceu Hans Staden
mordemos a cauda e a cabeça
deglutimos sem mastigar
engolimos o sapo
salivamos marimbondo
Sabemos que deus alarga a goela
quando tira os dentes.
Não cuspimos no fogo para não
minguar a crista.
Morremos pela boca, exceto Exu,
guia de Tirésias
que desacata Gregório de Matos
Macunaíma e François Villon.
Exu calibã
luva insuspeita de Shakespeare
caçador que tem em si a caça
e se irrita
preso a uma dezena de nomes.
(…)
A notícia desse espanto estilhaça ao meu lado
por que me enviaram
um postal de Luanda?
por que há tempos o litoral do país
aprende outros continentes?
(…)
(Edimilson de Almeida Pereira)
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