sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Se me quiseres conhecer

Para Antero

Se me quiseres conhecer,
estuda com olhos de bem ver
esse pedaço de pau preto
que um desconhecido irmão maconde
de mãos inspiradas
talhou e trabalhou
em terras distantes lá do Norte.
Ah! essa sou eu:
órbitas vazias no desespero de possuir a vida
boca rasgada em feridas de angústia,
mãos enorme, espalmadas,
erguendo-se em jeito de quem implora e ameaça,
corpo tatuado de feridas visíveis e invisíveis
pelos chicotes da escravatura…
Torturada e magnífica,
altiva e mística,
África da cabeça aos pés,
– ah, essa sou eu!

Se quiseres compreender-me
vem debruçar-te sobre minha alma de África,
nos gemidos dos negros no cais
nos batuques frenéticos do muchopes
na rebeldia dos machanganas
na estranha melodia se evolando
duma canção nativa noite dentro…

E nada mais me perguntes,
se é que me queres conhecer…
Que não sou mais que um búzio de carne,
onde a revolta de África congelou
seu grito inchado de esperança.

(Noémia de Souza - poeta moçambicana)

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