domingo, 22 de fevereiro de 2015

Ebulição da escravatura

A área de serviço é senzala moderna,
Tem preta eclética, que sabe ler “start”;
“Playground” era o terreiro a varrer.

Navio negreiro assemelha-se ao ônibus cheio,
Pelo cheiro vai assim até o fim-de-linha;
Não entra no novo quilombo da favela.

Capitão-do-mato virou cabo de polícia,
Seu cavalo tem giroflex (radiopatrulha).
“Os ferros”, inoxidáveis algemas.

Ração poder ser o salário-mímino,
Alforria só com a aposenadoria
(Lei dos sexagenários).

“Sinhô” hoje é empresário,
A casa-grande verticalizou-se,
O pilão está computadorizado.
Na última página são “flagrados” (foto digital)
Em cuecas, segurando a bolsa e a automática:
Matinal pelourinho.

A princesa Áurea canta,
Pastoreia suas flores.
O rei faz viaduto com seu codinome.

— Quantos negros?  Quanto furor?
Tantos tambores… tantas cores…
O que comparar com cada batida no tambor?
________

“A escravatura não foi abolida; foi distribuída
entre os pobres”.

(Luís Carlos de OliveiraAntologia da poesia negra brasileira: o negro em versos, 2005)

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